Refluxo: veja como apagar esse incêndio

O problema é mais comum do que muita gente imagina e pode favorecer a ocorrência de câncer

É só pensar na palavra para vir à mente aquele momento de queimação nada agradável. O refluxo, ou doença do refluxo gastroesofágico, como chamam os médicos, acomete cerca de 12% da população. A longo prazo, seus efeitos para nossa saúde vão muito além do desconforto que chega até à garganta: ele favorece o surgimento de problemas como o câncer. “Trata-se de uma situação na qual o conteúdo gástrico volta para o esôfago”, define Sidney Klajner, que é cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

“O ambiente estomacal é bem ácido, com um pH que pode chegar a 2,5”, revela Klajner. O órgão suporta tamanha acidez porque sua mucosa conta com um filme protetor. Já o revestimento do esôfago, tubo que transporta o alimento até o estômago, não conta com essa espécie de escudo. Dessa forma, ao entrar em contato com o material proveniente do estômago, surgem problemas como a esofagite, que é a agressão do ácido contra a parede esofágica. Ela se manifesta como azia, aquela queimação atrás do osso esterno, que tem formato de T e fica na frente do tórax. É o que os especialistas chamam de pirose – termo que vem de pira. “A pirose é o principal sintoma do refluxo”, diz Klajner. Existem pessoas que se queixam dele quando se deitam depois do jantar e há quem sinta o incômodo após qualquer refeição.

Todos nós temos mecanismos fisiológicos e anatômicos para impedir que isso ocorra. O esôfago possui um eixo para o alimento descer diferente do apresentado pelo estômago, que é um pouco mais lateralizado para a esquerda. “Para que o refluxo aconteça, deve ocorrer o vencimento de uma espécie de sifão”, detalha Klajner (veja nos infográficos abaixo).

A longo prazo, o refluxo pode causar esofagite e aumentar o risco de câncer. A esofagite é dividida em quatro graus: A, B, C e D. Nos casos mais severos, pode acontecer sangramento, úlceras e estreitamento do esôfago. São todas complicações da inflamação. De tanto receber o ácido, o revestimento do esofágico, ou seja, sua mucosa, que é diferente da estomacal, se transforma para tentar imitar o estômago. Isso é chamado pelos médicos de metaplasia. “Na metaplasia, pode acontecer o aparecimento de displasia, que são células com o DNA diferente. Na evolução do caso, elas podem se transformar em um adenocarcinoma”, explica Klajner. Uma das maiores causas de adenocarcinoma de esôfago distal (que é parte inferior do tubo), um tipo de câncer, é o refluxo. Por isso, é importante diagnosticar e tratar o problema o quanto antes.

 

Os exames para identificar a doença

Endoscopia: um tubo flexível, bem fino, com uma câmera na ponta analisa o estado da mucosa do esôfago.

Raio-X com contraste: o paciente ingere um líquido, o contraste de bário. É requisitado para o diagnóstico de refluxo e para ver a existência de uma hérnia de hiato, por exemplo, e checar se ela é volumosa.

 

Os tipos de tratamento

Mudanças comportamentais podem ser de grande valia. Isso inclui ficar de olho na dieta, evitando alimentos muito gordurosos, e perda de peso. “Na pessoa muito obesa, a pressão do abdômen fica tão grande que o refluxo acontece sem hérnia do hiato”, revela Klajner. Muitas vezes o excesso de peso altera a anatomia da região.

Outras medidas no dia a dia incluem não exagerar no prato do jantar, moderar no álcool, apagar o cigarro (ele também relaxa o esfíncter do esôfago), diminuir o consumo de gordura e café. Elevar a cabeceira da cama com um calço de 10 centímetros também pode ajudar. No final das contas, muitas vezes há uma melhora que dispensa o uso de remédios.

Se as alterações no estilo de vida não surtem efeito, introduz-se um tratamento medicamentoso, quando o diagnóstico é confirmado. Existem medicamentos que diminuem a produção de ácido e, ao mesmo tempo, o volume do líquido gástrico para a digestão. Os principais são os inibidores de bomba de prótons. Eles podem melhorar todos os sintomas de refluxo. Mas o problema pode continuar ocorrendo de vez em quando. “No entanto, pelo fato desse conteúdo não ser ácido devido à ação do remédio, ele não agride a mucosa do esôfago”, explica Sidney Klajner. O que ainda não está muito claro é se esse processo pode continuar a causar mudanças nas células da região que podem resultar em tumor. A retirada do remédio vai depender da eficácia das mudanças comportamentais na reversão do quadro.

 

A opção cirúrgica

Se as mudanças comportamentais e os medicamentos não produzem bons resultados, vale a pena investigar a causa, porque eventualmente os pacientes podem se beneficiar de um tratamento cirúrgico para a contenção do refluxo. Isso hoje é feito por via laparoscópica, ou seja, um procedimento minimamente invasivo realizado com o auxílio de uma câmera. “Dura de 40 minutos a 1 hora e o paciente só precisa ficar um dia internado’, conta Sidney Klajner. “Sua efetividade é muito grande.” A cirurgia traz o hiato alargado para uma situação normal e confecciona um mecanismo anatômico que imita uma válvula antirrefluxo. Isso é chamado de fundoplicatura. Fundo porque se mexe com o fundo do estômago, que é sua parte alta. Plicatura, por ser tratar de uma prega (veja no infográfico). “É preciso eleger com muito cuidado quem são os pacientes que vão se beneficiar de uma cirurgia”, diz Klajner. O sucesso do procedimento vai ser maior em quem a medicação dá resultado. “Por vários motivos, pode ser que não seja uma boa ficar tomando o medicamento pelo resto da vida”, comenta o especialista. Ou porque há melhora, mas a enfermidade não é totalmente sanada, quando, por exemplo, há espasmos do esôfago. Ou existe ocorrência de sintomas atípicos, como pneumonia de repetição. Sem falar numa hérnia de hiato grande – a tendência é que ela aumente de tamanho ao longo da vida.

 

Sintomas atípicos do refluxo

Muita gente nem imagina que tosse, rouquidão, pigarro, sensação de corpo estranho na garganta muitas vezes são sintomas da doença. Além disso, pneumonia, asma e bronquite também podem ser desencadeadas pelo problema. “A tosse faz a pressão abdominal aumentar. Ela também é um gerador de refluxo, que pode piorá-la, assim como a asma”, explica Sidney Klajner.

No quesito asma, o refluxo talvez seja consequência dessa enfermidade, porque os remédios para a doença também relaxam o músculo do esôfago. Mas pode ser o contrário também. Em algumas situações, é necessário recorrer à cirurgia para desvendar a questão.

As causas dos problemas respiratórios que têm origem no refluxo estão no retorno do conteúdo gástrico e que podem atingir o pulmão, principalmente durante o sono. Um dos motivos é falta de coordenação da motilidade do esôfago, que pode acontecer principalmente em pessoas idosas. “O esôfago não empurra o alimento direito e ele fica ali, dando origem a um tipo de refluxo chamado de esôfago esofágico”, diz Klajner. “Com o envelhecimento e o aumento da expectativa de vida, estamos vendo pessoas em estado clínico muito bom, mas com problemas alimentares por conta do mau funcionamento do esôfago.”

A doença também pode estar por trás daquela dor no peito que várias pessoas confundem com um infarto. Para ter uma ideia, são 20% dos casos de quem procura o pronto atendimento achando que é um ataque cardíaco. O desconforto vem à tona porque o refluxo pode fazer o esôfago se contrair e ter espasmos, causando a sensação dolorosa.

 

Já ouviu falar do esôfago de Barrett?

Trata-se da transformação do revestimento desse tubo. Ele fica parecido com o do estômago. É um sinal amarelo, porque aumenta o risco de câncer. “É preciso cuidar com carinho desse refluxo porque é uma lesão pré-maligna”, diz Sidney Klajner. A mucosa do esôfago fica com uma cor vermelha – ela deveria ser salmão, como o resto do canal. O problema pode ser classificado como colunar (sobe como uma coluna inteira) ou digitiforme (na forma de um dedo). O último apresenta menos risco. Sempre é feita uma biópsia para ver se não há uma displasia. Em outras palavras, o crescimento anormal de um tecido.

 

Outros conselhos:

  • Alguns exercícios físicos podem piorar a doença, principalmente em piscina, devido à pressão da água. “Quem tem refluxo, além de fazer o esforço na água, se encontra na posição horizontal”, diz Klajner. É como se se tirasse a lei da gravidade como auxiliar para o refluxo não acontecer. Vale também para os exercícios em que se fica deitado.
  • Evite ir para a cama logo depois de comer, respeitando o prazo de pelo menos duas horas antes de pegar sono.
  • Existem alimentos e bebidas que relaxam o músculo da porção final do esôfago. Frituras e afins, café preto, doces concentrados, como chocolate, chantilly, o excesso de adoçante, molho de tomate, sem falar no álcool.
  • Por falar em álcool, petiscos gordurosos e cerveja são uma mistura explosiva. Isso porque a bebida tem gás, que distende o estômago.
  • É preciso checar se os sintomas se repetem ou são apenas a consequência de uma balada ou um exagero à mesa. Uma feijoada no fim de semana ou uma festa regada a muita bebida podem deflagrar o desconforto, mas passageiro.
  • Comidas picantes geralmente afrouxam o músculo da porção final do esôfago, além de serem um fator agressor desse canal. Assim como alimentos e bebidas muito quentes.
  • Comer carne à noite: é pesado e difícil para a digestão. Se o estômago não esvazia o conteúdo, tem mais coisa para refluir.
  • Existem medicamentos que agridem o esôfago, sobretudo quando tomados sem ou com pouca água. Um deles é o alendronato, indicado para osteoporose. Sua bula tem até uma jarra d’água. Se ele para no esôfago, pode até causar perfuração.
  • O ideal é que quem tem refluxo e está sob tratamento clínico faça anualmente uma endoscopia. Com o passar do tempo e se não houver alterações, a cada dois anos.

(Fonte: Agência Einstein de Notícia)

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